COMUNIDADES CRISTÃS OU SEITAS EVANGÉLICAS?

 Por Daniel Santos


Nós nos acostumamos a afirmar que existem muitas igrejas cristãs. Na verdade só existe uma, a que Cristo vê, conhece, usa e irá buscar um dia. Por um período pesquisei a respeito da fundação e desenvolvimento de alguns movimentos evangélicos contemporâneos. E constatei que em meio a esses movimentos, só existem duas linhas filosóficas: as seitas (possuem donos ou cúpulas) e as comunidades cristãs (herança da tradição cristã). Vejamos algumas diferenças:


COMUNIDADE CRISTà       SEITA EVANGÉLICA 

Presidido por Concílio          Tem Dono ou Cúpula


Presidência Transitória       Presidência Vitalícia 


Obreiro-Vocação                 Obreiro-Conveniência 


Prega a Palavra                    Usa a Palavra 


Pastoreia                                Adestra 


Discipula                                Manipula


Ensina.                                    Escraviza


Doutrina Bíblica                    Doutrina Subjetiva

 

Interpreta a Bíblia                 Incrementa a Bíblia 


Bíblia corrige experiência     Experiência corrige                                                      Bíblia                                        

Espiritual                                 Misticismo 


Fé & Razão                               Fé X Razão 


Autoridade Bíblica                 Autoridade do Dono

 

Conversão                                Adesão 


Teologia Soteriológica            Teologia do Medo


Salvação pela Graça                Salvação pela Placa


Acessível                                    Flexível 


Pastores Locais                        Fantoches 


Revelação                                  Alucinação 


Não é o meu objetivo difamar os grupos religiosos, mesmo porque o joio e o trigo precisam crescer juntos. É possível que hajam ímpios nas comunidades cristãs e ingênuos sinceros nas seitas evangélicas. O intuito desse breve rabisco é, como sempre, para a nossa reflexão.

Através de uma história fictícia, pretendo trabalhar alguns aspectos dessas duas linhas. É óbvio que não esgotarei o assunto, entretanto teremos a noção do que se passa nas mentes de seus fundadores, súditos e simpatizantes. 

Haviam em uma cidadezinha dois pastores auxiliares, servindo em uma mesma comunidade de fé. Um era conhecido pelo nome de pastor Jacó e o outro, pastor Esaú. O pastor Jacó era um homem simples, equilibrado e via na comunidade um certo comodismo, por parte do pastor presidente, e nutria dentro de si o desejo de começar um trabalho de evangelismo, discipulado e de capacitação ministerial, como fora na igreja de Atos. Por ter sido, muitas vezes impedido, resolveu desligar-se da comunidade e cumprir o que de fato o que Jesus designara à igreja.

O pastor Esaú desligou-se também, mas as suas motivações não eram nem um pouco semelhantes às do Jacó. Esaú sempre foi um homem abastado, bem posicionado na sociedade, e encontrava-se no direito de se tornar o pastor titular daquela pequena e tradicional instituição.

Se foi coincidência, não sei, mas ambos se encontraram no armazém principal da cidade. E nesse encontro muitos assuntos foram tratados, inclusive o que iriam fazer após a dissidência. Esaú não fez rodeios, disse que já estava à procura de um salão comercial para iniciar a sua nova "igreja". Jacó não entendia o motivo pelo qual Esaú não cederia o seu próprio lar para as primeiras reuniões, pois era essa a estratégia de Jacó.

A conversa se estendeu, se despediram e cada um entendeu que uma parceria seria impossível.

Após alguns meses os planos de Esaú se concretizaram. Dinheiro nunca foi problema para a sua família; os negócios (imobiliários) estavam em sua melhor fase em relação às outras épocas. A tão esperada sala comercial foi adquirida por meio da venda de um outro imóvel. Localizada em uma área privilegiada e poucos detalhes a serem reparados, nascia mais uma denominação evangélica, Igreja Evangélica Yeshua Está Voltando (IEYEV). Com culto apenas aos domingos, o pastor Esaú recebe sua família, amigos, clientes, políticos e um pequeno grupo da igreja mãe. 

Enquanto isso, o pastor Jacó recebe em sua casa, aos sábados e aos domingos, alguns vizinhos, amigos e colegas do trabalho (supermercado). 

Um ano depois o pastor Jacó faz um banheiro comercial em sua garagem e a adapta segundo às normas da vigilância sanitária. Registra a sua igreja e a denomina de Igreja Cristã do Evangelho Vivo (ICEV). Neste mesmo período, os dois pastores voltam a trocar ideias e experiências acerca de suas comunidades de fé.

O tema principal dessa conversa foi o crescimento numérico. Jacó defendeu a evangelização tradicional, isto é, cada convertido evangeliza um não convertido (corpo a corpo). Já o pastor Esaú criou um sistema de aprisionamento, isto é, uma espécie de "seita evangélica". O pastor Jacó não entendeu bem, mas Esaú fez questão de explicar. Disse ele: veja Jacó, o que prende as pessoas em um local é o contato com o sobrenatural e a Teologia do Medo. Correto? Respondeu Jacó: de certa forma, sim.

Continuou Esaú: vou divinizar a minha instituição, isto é, para que não haja questionamentos e a minha palavra se torne lei, vou me elevar à altura superior às escrituras: vou alegorizar a interpretação bíblica, para que todos os membros e pastores venham a mim para descobrir a interpretação correta.

O pastor Esaú, na verdade, queria ter o domínio das pessoas. Para isso, ele valeu-se de muitos textos descontextualizados do Velho Testamento para montar seu corpo doutrinário. Lógico, ele elaborou o seu sistema com a ajuda de muitas pessoas importantes da sociedade (políticos, médicos, empresários, entre outros). Seu regime deixou a teocracia bíblica e tornou-se ditadura religiosa. 

O pastor Jacó lhe perguntou: mas como você vai prender essas pessoas psicologicamente? Respondeu Esaú: Simples! Vou dizer que recebi uma revelação do céu, afirmar ter visto anjos, elaborar alguns milagres com testemunhas falsas e estipular horários de oração e de jejuns. Qualquer pessoa que ora ou busca ao Senhor de alguma forma, Deus responde. E é aí que eu entro afirmando que essas pessoas só tiveram a resposta de Deus porque a minha instituição foi a mediadora. Claro, não direi com todas as letras, será dito nas entrelinhas do nosso discurso. Vou aos poucos anexando as experiências dos meus fiéis à minha instituição, terei todos debaixo do meu governo.

Tá, entendi até aí, afirmou Jacó. Após essa afirmação, Jacó fez-lhe outra pergunta: essas pessoas não podem ter acesso ao conhecimento; você sabe que o conhecimento liberta e a libertação gera rebeliões. O que você fará para impedir os teus fiéis de pensar?

Respondeu Esaú: juntamente com o corpo doutrinário que montei, segundo os malabarismos textuais, está o menosprezo à Teologia Bíblica e à Filosofia Histórica. Em todas as conferências que farei, criarei formas de acovardar a massa. O rebanho dará mais valor às experiências sobrenaturais (que nem sempre serão do Espírito Santo), do que ao bom senso e às escrituras. Os meus súditos nunca saberão que quem julga as experiências e os espíritos que eu invoco é a palavra (1 Jo: 4.4). 

É meu amigo, o plano parece hostil. Consternou Jacó. Jacó reiterou: eu prefiro seguir o método deixado por Jesus Cristo e seus apóstolos. Não tenho a intenção de me tornar grande, aprisionar pessoas e tão pouco me aliar aos poderes deste mundo.

Aquelas palavras de Jacó não entristeceram nenhum pouco o coração de Esaú, muito pelo contrário, o empreendedor Esaú saiu dali mais esperançoso do que nunca.

Aproximando-se aos dias festivos do final de ano, a esposa do pastor Jacó (Ruth) vê em um açougue o pastor Esaú e três de seus obreiros, com umas sacolas, contendo nelas carne. Ela não resistiu, parou na calçada e conversou brevemente com um dos obreiros, ex membro da igreja mãe. Disse ela: Paz irmão! E o questionou: estão se preparando para a ceia de final do ano? O obreiro respondeu: Não, irmã Ruth. Essa compra é para preparar a comida que será servida na nossa última conferência deste ano. Todos os meses, inclusive nos feriados, somos convocados a comparecer às reuniões do pastor Esaú. Não temos tempo de nos reunir em família e tão pouco confraternizarmos entre irmãos. Yeshua está voltando! Afirmou o obreiro.

Retornando à sua casa, a irmã Ruth compartilhou com seu esposo a conversa que teve com o obreiro. No mesmo dia do encontro, o telefone do pastor Jacó tocou e ao atendê-lo, Jacó é surpreendido pelo convite do pastor Esaú. Disse-lhe Esaú: Jacó, a paz do Senhor, tudo bem contigo, meu irmão? Teremos neste final de semana uma conferência especial na nossa igreja, será durante todo o dia e terá uma taxa de inscrição. Conto com a presença de vocês. Jacó piscou o olho para Ruth, ela confirma com o olhar e decidem ir à tal conferência.

Chegando à igreja, o casal foi bem recebido, e tomaram rapidamente os seus assentos. O templo era bem diferente das demais igrejas; do atendimento à decoração da nave da igreja havia uma organização fora do comum. Não tinha como as pessoas não se sentirem bem; as músicas que os recepcionavam mexiam profundamente com as suas emoções. Parece que Esaú tinha pensado em tudo; sua instituição satisfazia os olhos, os ouvidos e com isso arrebatava o coração do público. Jacó sabia que o Espírito Santo não estava naquilo, mas mesmo assim viu que Deus honrava os que honestamente o buscavam.

Pontualmente às 7h iniciou-se a primeira etapa da convenção; o dirigente a chamou de: "Período de oração". Na verdade, ninguém orava, o que os anfitriões faziam era entregar "revelações" motivacionais a fim de recompensar os presentes pela disposição de terem saído de suas casas tão cedo. A segunda etapa, após um café da manhã de baixíssimo nível (inferior à taxa cobrada), teve como tema da aula: "A Revelação da Bíblia". Jacó e Ruth sentiam-se apreensíveis com relação ao que seria tratado na aula. A aula terminou, Jacó disse à Ruth: dá para resumir essa palestra em uma só frase: "bem vindos ao neoplatonismo". Por que você diz isto, amor? Perguntou Ruth. Respondeu Jacó: Esaú tinha me dito que iria acovardar o seu rebanho a não estudar as escrituras como elas verdadeiramente são e nem mesmo deixá-lo se aproximar da filosofia histórica, no entanto, resgatou a filosofia platônica desenvolvida pelos alexandrinos. Ele praticamente deu fôlego às ideias de Amônio, Orígenes, Plotino, Fílon, Agostinho entre outros. E esse método de interpretação (alegórico) era usado para tornar as bizarrices dos deuses gregos ideais mais palatáveis. A única diferença entre a chamada revelação da palavra, do Esaú, com os neoplatonistas é que ele, o presidente da instituição, é a própria revelação das escrituras. Ao ouvir essa explicação de seu esposo, Ruth se viu mais confusa ainda.

Antes do minguado almoço que foi servido, um integrante da cúpula, por nome Doegue, trouxe outra aula, esta chamava-se: "Um só Rebanho, e Um só Pastor". Nesse estudo, Ruth conseguiu assimilar o que o ministro Doegue quis expor; ela entendeu nas entrelinhas que o pastor Esaú é como a Torre de Babel, se os futuros ministros das futuras filiais não olharem para a revelação que vem da Torre, no caso, o pastor Esaú, perderão a salvação de Jesus. Doegue afirmou que o sistema religioso, ou seja, a igreja fiel de Esaú é o único Corpo de Cristo na terra. Admirado com a avaliação de Ruth, Jacó balançou a cabeça e com um leve sorriso complementou dizendo: a ditadura religiosa que ele, Esaú prometera, cumpriu-se; com certeza ele irá usar a obediência cega (ungido do senhor), o fideísmo Kierkegaardiano (fé sem razão) e a teologia do cabresto (malabarismos textuais). 

Após o almoço as palestras que se seguiram trataram da abstinência familiar (o sistema acima da família); o ódio pelos dissidentes (amaldiçoar os que se libertaram da seita) e a manipulação dos "dons espirituais" a favor da seita e de seu presidente, no caso, Esaú. Ai daquele que entregar um dom confrontando a cúpula. As ameaças faziam parte do discurso de todas as aulas.

Chegando em casa, o casal notou uma confusão em suas mentes. Não sabiam o que estava acontecendo com os seus juízos, parecia que a realidade dos cultos da pequena garagem não tinha o mesmo impacto que a suntuosa e sedutora igreja do pastor Esaú. Jacó e Ruth estavam sofrendo muito para expandir o ministério da ICEV. Naturalmente, vieram as dúvidas: será que para crescer, precisamos inovar, nos fechar como as seitas, sacralizar a instituição, inventar doutrinas a partir de experiências e textos isolados ou até mesmo fazermos como o pastor Esaú, nos elevar a nível de semideuses (ungidos do senhor)?

Naquela semana, o casal sofreu uma terrível turbulência em sua identidade. As seitas evangélicas têm essa característica; é por isso que crescem tanto. Para os incautos que lá chegam, quanto mais simbólico, misterioso, exclusivista e rígido (mesmo que seja vazio) mais apetecível se torna. E o que não faltam são as experiências com as hostes espirituais (Ef 6.12) que permeiam estes lugares.

Há um tempo atrás, ouvi de um colega, integrante de uma seita evangélica famosa a seguinte justificativa: "eu não saio de lá porque lá eu tenho bastante experiências sobrenaturais com Deus"!

Observe o absurdo. Isso explica o crescimento da seita do pastor Esaú. Olhe como esse indivíduo sacraliza o lugar. A instituição, mesmo sendo criminosa (judicialmente), herege (biblicamente), opressora (psicologicamente) e imoral (politicamente), ele ainda julga ser Deus o autor de suas experiências. O crente pós-moderno (solúvel) é muito apegado ao conforto, às vantagens sociais e à conveniência do mundo esotérico. 

Perturbados mentalmente, o casal, por um bom tempo, teceram comentários a respeito do inusitado sistema religioso. Um dos assuntos que trataram, foi acerca da distribuição de cargos. Ruth perguntou ao seu esposo: amor, você viu os professores da cúpula? Vi sim. Achei esquisito a classificação que o pastor Esaú fez; todos professores e futuros chefes de filiais são da elite, respondeu Jacó. Ruth estendeu a conversa, afirmando que essa organização é comum nas seitas evangélicas. Disse mais: querido, você sabe que para a classe alta pertencer à uma seita, tem que ser para governar, eles jamais se dobrarão às ordens de um membro simples. Não quer dizer que ele não terá um pastor pobre, seria muito limitador. Os pastores mais leigos tomarão conta de filiais marginalizadas, das periferias; o pastor Esaú sabe que da massa pobre, é que surgirão os trabalhos voluntários.

Jacó sorriu para sua amada esposa e disse: minha linda (abraçando-a), você desvendou um mistério que está oculto a todo servidor de seita. Eu reparei que em uma das aulas, o professor disse que quem se dispusesse ao serviço voluntário (trabalho escravo) da instituição, seria recompensado pelo "senhor da obra", que lá eles o chamam de espírito santo. Para quem teve uma experiência sobrenatural com os espíritos que lá se manifestam, compreende que O Espírito Santo dito na Bíblia é o mesmo que é manipulado lá.

Pelo que temos observado, Ruth e Jacó alcançaram as reais inclinações do pastor Esaú. A ditadura religiosa que esse líder implantou é semelhante à pax-romana dos tempos neotestamentários: uma paz violenta cuja casca apresenta o pão e o circo, enquanto a polpa é constituída de repressão.  

Os cultos na ICEV (igreja do pastor Jacó) estavam ocorrendo normalmente, até que receberam, em uma das EBDs, a visita do Benaia, obreiro do pr. Esaú. Após o término do estudo, Benaia justificou à Ruth que o motivo pelo qual ele estava ali é que tinha-se desligado da instituição do Esaú. Jacó o convidou a tomar novamente o assento e pediu-lhe para que fosse mais claro. Benaia assentou-se e disse: eu não sei realmente o que é aquele lugar; eu nunca vi uma comunidade que se diz igreja fiel de Jesus que não se pode pregar a palavra como ela verdadeiramente é. Preguei ontem a noite, e quando, no meio da pregação, eu disse que só podemos respeitar a mensagem de um pastor, se ele for submisso às escrituras, fui chamado para a salinha de reunião no final do culto. Eu não entendi muito o que o Esaú tinha dito, mas pelo pouco que ficou compreensível, Esaú afirmou que a bíblia está sujeita à iluminação do governo, no caso, ele, o dono da instituição. 

Benaia pertenceu à igreja mãe, de onde Esaú e Jacó saíram. O que este jovem obreiro não entendera é que Esaú acorrentou as escrituras às suas releituras. O método alegórico nos púlpitos de líderes licenciosos é sempre um perigo. O método alegórico, conhecido também como revelação, verdade oculta e mundo das ideias é um método grego da filosofia pagã. Confira: Filo (20 a.C - 54 A.D.), e Orígenes (185 - 254 A.D.) e Teógenes de Régis (c. 520 a.C.). Os deuses descritos por Homero e Hesíodo eram imorais, injustos, imprevisíveis, caprichosos, vingativos etc. E para que eles fossem mais palatáveis, a interpretação alegórica fez este papel.

Há uma discussão entre os métodos de interpretação. Se o correto é o literal ou histórico; alegórico ou tipológico (com ênfase na cristologia); moral ou tropológico e anagógico ou místico. Na verdade, as escrituras trazem inúmeros métodos. Acredito que se Cristo for a chave, não há regras. Veja que o problema não está em lançar mão do método, mas usá-lo de má fé, a fim de promover idéias, experiências sobrenaturais, dogmas, instituições (...).

Ao ouvir a declaração de Benaia, Ruth perguntou, retoricamente: o que será que passa na mente desses irmãos que continuam lá? Conheço irmãos sérios que granjearam cargos importantes na igreja do pastor Esaú. 

Jacó, por sua vez, afirmou que acreditava na sinceridade dos candidatos. Disse ele: Esaú é astuto. Certa vez ele me disse que iria anexar as experiências sobrenaturais do rebanho às dependências da sua instituição. É por isso que eles repetem o mesmo discurso: "foi aqui que eu tive a minha experiência".

Benaia disse também que o espírito de adivinhação que age nas "igrejas" do Esaú é considerado como O Espírito Santo que agira no primeiro século, descrito no livro de Atos. Alegou Benaia: eu nunca soube de uma visão, revelação, sonho ou profecia que corrigiu a liderança ou a cúpula. Os "dons espirituais" parecem que trabalham para a instituição. É normal ouvirmos o pastor Esaú dizer que somente ele, o governo, tem acesso ao Espírito Santo e que não aceita questionamentos.

Jacó perguntou a Benaia a respeito das unções. Como se davam as cerimônias de ordenação dos pastores (chefes de filiais). Respondeu Benaia: primeiramente, a convocação à cerimônia é feita à todas filiais. Vou começar pela candidatura. O indivíduo que se converteu ao sistema não é preparado para servir de extensão do ministério de Cristo, mas para ser um fantoche do líder. Não importa o seu caráter, sua fidelidade às escrituras, seu equilíbrio emocional (...). O que de fato o Esaú exige é a obediência cega dos seus pseudopastores. É insanidade como os candidatos acreditam em suas ordenações; Esaú é claro quanto a ilegitimidade dos seus ministros. Ele não cansa de repetir nas entrelinhas: "vocês são pastores apenas debaixo da minha autoridade. Se vocês saírem do meu regime, vocês voltarão à inutilidade de origem". 

Ruth interrompe Benaia e retoricamente, questiona: será que esses obreiros do Esaú não entendem que as instituições religiosas não passam de uma ferramenta para aplicar o nosso trabalho outorgado por Cristo; e que se essas ordenações fossem de fato do Espírito Santo, a mudança de instituição não as afetariam?

Jacó, com um leve sorriso, complementa: a sacralização de instituições religiosas, de regiões, cidades e objetos é uma doença quase que incurável. As pessoas gostam de se sentir importantes. Imaginemos um perdido que chegou a um lugar onde pessoas estão buscando a Deus com o coração sincero (de modo errado), e ele ouve do pastor que as respostas dessas orações estão vinculadas à instituição. É óbvio que a ignorância desse perdido o fará acreditar que ele está no lugar certo.

Jacó, Ruth, Benaia e os demais irmãos seguiram suas vidas, na humilde e próspera comunidade de fé. Já Esaú, cresceu de modo espantoso; suas filiais foram precisamente padronizadas; seu rebanho, orgulhoso; seus cultos, breves e mecânicos e conseguiu realizar o seu grande sonho: construir, através de mentiras e manipulações, um grande patrimônio. 

Numa de minhas longas e acaloradas conversas com um velho amigo, tive o privilégio de dialogar com ele a respeito de sua experiência religiosa. Ele, atualmente, se encontra em uma comunidade cristã, entretanto, foi por quinze anos membro de uma seita evangélica. Pode ser que alguém questione: o que diferencia uma seita evangélica das comunidades cristãs?

O termo seita pode ter diversas conotações, no entanto, por se tratar de um grupo exclusivo, fechado, ridiculamente disciplinado, "superior" e escravo de um dono semideus, é possível ver no cenário religioso rebanhos com essas mesmas características. Já as comunidades cristãs, são mais simples, acessíveis e têm o seu foco na salvação de almas, no discipulado e na formação ministerial.

A nossa conversa, desta vez, foi em uma praça, aqui mesmo em minha cidade. E antes que eu relate o nosso "bate papo", leia na intenção de descobrir de qual seita ele, o meu velho amigo, está falando.

O dia estava nublado, as andorinhas circulando no céu, poucas pessoas trafegando, mas nem por isso o clima não nos levou a procurar um local coberto. Permanecemos no banco ao ar livre. Nos comprimentamos, nos assentamos e virados para uma bela lanchonete, ele fez uma auto observação: meu apetite sempre me assola nos dias frescos; quem dera se fôssemos assim na vida espiritual. Me dirigi a ele, olhando para ele, e o questionei: você está passando por algum inverno em sua vida? Ele afirmou: não, hoje estou bem, mas já passei por dias nublados. Recordo-me de um passado distante, foi a uns vinte anos atrás. E olhando para essa lanchonete, associei o clima de hoje ao apetite que ele provoca e à comida que o mundo nos oferece nesse período.

Como você bem sabe, eu passei, dos meus sete anos de idade até aos meus catorze, numa igreja tradicional, juntamente com os meus tios e primos. Foi um período que tive que me separar da minha mãe. Nesta comunidade batista em São Paulo conheci o evangelho, fui alcançado por Cristo e aprendi com o testemunho dos meus tios e primos a como se portar diante de Deus, da família e do mundo. Disse eu: sim, conheço bem essa história; sei também que você passou dos seus quatorze aos vinte quatro anos no mundo, provando de boa parte dos banquetes dessa vida. O que não sei, de modo sequencial, é a sua experiência nesta seita evangélica.

Ele retornou à analogia da lanchonete, e disse: eu passei esses dez anos fora dos caminhos do Senhor, e a minha alma clamava por socorro; julguei ser o momento da volta aos serviços sacros. A prova de que era a hora de retornar, é que o Senhor, de forma milagrosa, foi me libertando dos vícios, sanando as feridas e reparando algumas condutas. Entendi que tinha que procurar uma comunidade cristã para servir.

Antes que eu continue, quero deixar clara a minha visão quanto às instituições religiosas. Não as canonizo; elas são apenas ferramentas legais que estão à disposição da igreja para facilitar o seu trabalho. Acredito que se todo crente tivesse essa visão, trabalharia mais e discutiria menos a respeito da sacralização de suas casas de culto.

Pois bem, voltando à minha procura, cheguei a uma instituição gigantesca, que a sua ênfase era o imediatismo, a barganha e o triunfalismo social. Saí de lá, e numa certa tarde, uma vizinha aposentada, juntamente com seu neto me convidaram para uma grande evangelização que aconteceria a trinta quilômetros da minha cidade. Essa instituição tinha um pequeno ponto de pregação na minha cidade e havia também algumas filiais nas cidades mais próximas. Fui à tal grande evangelização, achei a pregação bastante intrigante e resolvi conhecer, durante a semana, os cultos. 

A estrutura dos templos é uma mistura de arquitetura egípcia com traços góticos. Qualquer pessoa que estivesse vivendo tempos nublados e com fome de trabalhar na obra de Deus escolheria esse lugar para congregar. Era uma "lanchonete apetecível", porém nada nutritiva.

As reuniões eram breves, as músicas eram seletas e com melodias bastante emotivas (não quer dizer que eram fundamentadas biblicamente); os membros eram obrigados a se assentarem nos bancos apropriados; a organização e o modo de se portarem é tão exagerado, que tanto o primeiro dirigente (do louvor) quanto o mensageiro tremiam de medo para que não saíssem da "santa liturgia" (essa tremedeira não era temor a Deus, mas medo de serem repreendidos pelo chefe da filial, no caso, o pastor local). As pregações eram e são até hoje devocionais bastante reduzidas (de duração e de conteúdo). 

É possível que alguém esteja se questionando o porquê dos longos quinze anos nesse lugar. A resposta é simples. Toda seita é viciante. Se você já foi viciado por uma determinada bobagem da lanchonete, sabe o quanto faz falta um dia sem ela. A seita do pastor Esaú é a prova disso; ele sabendo que os seus fiéis iriam orar e jejuar, obviamente, Deus iria operar. Mesmo sem a bíblia, as experiências são capazes de segurar os adeptos dentro do sistema. Hoje eu continuo tendo experiências, mas nem todas as pseudo-experiências (vantagens) considero de Deus. Hoje, para mim, são as escrituras, as norteadoras da minha vida, e não a vantagem a qualquer custo. Eu não tinha essa maturidade; mesmo porque na seita era proibido pregar a palavra, na sua essência; só era aceita as releituras alegóricas do sistema. 

Mesmo imaturo quanto às manobras dessa seita, havia dentro de mim um desejo de repudiar algumas infantilidades. Por muitas vezes fui perseguido por chefes de filiais (pseudo-pastores), por não levá-los a sério. Eu sabia que a ordenação deles era uma fraude, que eles só alcançaram este posto porque são totalmente fiéis aos caprichos do "Supra Sumo" (dono da instituição). Toda a minha experiência aconteceu aqui no sul do Brasil e as filiais que tive o maior envolvimento residiam nas cidades de Arapa (onde morei); Apuca e Rolam (cidades chefes). Por Arapa não ter um templo próprio, ela recebia as ordens das filiais mais adiantadas em números. Hoje eu não moro mais em Arapa, resido a 45km, numa cidade chamada Marivia. Marivia é governada por uma outra cidade chefe que se chama Maringia filial. Marivia também não possui templos. Foi dela que Deus me libertou.

É meu amigo, a história é longa (...). Você está disposto a ouvi-la? Sim, o céu abriu, parece que o Sol vai mostrar o seu rosto (respondi eu). Tudo bem, vou te revelar o verdadeiro rosto dessa seita evangélica, que aparentemente é lindo, mas na medida que o tempo passa, o mal vai mostrando as suas rugas.

Como eu já adiantei, eu morava em Arapa, uma senhora e seu neto me convidaram para a grande evangelização e em Apuca foi o meu primeiro contato com uma filial-chefe (13km de Arapa). Lá tem alguns templos, um bom grupo, numericamente falando, mas nada tão especial. Eu percebi que nesta cidade a população é bem aberta para novidades; isso tem favorecido a sua expansão. Não é o mesmo que aconteceu com Arapa; até hoje, o ponto de pregação continua padecendo por falta de membros. Quando eu estava lá, eu percebia um fenômeno interessante; nas poucas vezes que Cristo era pregado, as pessoas se convertiam, mas elas não permaneciam na seita. Isso era muito desgastante, eu não entendia o porquê da dissidência. A melhor época que vivi foi quando Rolam assumiu a direção de Arapa; ela era menos ortodoxa, ou seja, pelo fato dos membros e líderes serem bastante simples e pouco contaminados pela doutrinação da seita, era possível vermos pessoas convertidas nela. 

Rolam entra em cena, assiste Arapa, alguns membros de Arapa recuam, por serem adeptos à uma ortodoxia sectária (estilo de Apuca), e o caminho "fica livre" para trabalhar. Uma curiosidade que não te contei, é a respeito do grau de envolvimento dos trabalhadores da seita. A hierarquia se dá assim: 1° estágio, de membro vira obreiro; 2° estágio, de obreiro vira diácono; 3° estágio, de diácono vira pré-pastor e no 4° estágio, de pré-pastor vira pastor. Se no caso, o pastor for financeiramente mais abastado, que tenha condições de fazer ronda nas filiais da região ganha o título de coordenador de filiais. Assim como a seita do pastor Esaú funciona, o voluntariado é uma das marcas que atraem muitas pessoas honestas para dentro dessa seita. O voluntariado lá é psicologicamente forçado; os discursos que são ministrados em suas conferências e seminários endossam indiretamente a ideia da barganha: se vocês não negarem as suas famílias, empregos e o vosso lazer para trabalhar na "obra do Senhor", vocês serão castigados e consequentemente, morrerão sem salvação. Lógico, tudo nas entrelinhas, para não assustar.

Conheci um "pastor" de Apuca que por ter levado sorte em montar a sua empresa e prosperar, hoje ele continua preso na seita porque acredita que ela o abençoou. Há vários nessa situação. Me recordo de uma experiência que tive com esse mesmo pastor; ele foi capaz de me amaldiçoar (com um "dom espiritual") porque eu não dava crédito às suas ideias sectárias. Outro, dessa mesma cidade, que por não aceitar a vida miserável de sua família, manipulou uma jovem rica, foi induzida a se casar com ele e o pior de tudo é que hoje, por estar em uma ótima posição na sociedade, deram-lhe o cargo de pastor. Esse tipo de manobra é muito comum em seitas. Ah! Teve um que cultivou um ódio tão grande da minha pessoa que dedicou sua vida toda a me difamar (de Apuca também) porque ele não suportava a minha postura de não me dobrar perante eles, fui até chamado de (casa rebelde).

Preciso te contar a respeito do meu casamento, que foi celebrado lá. A seita tem um costume de se intrometer na vida de seus membros, eles chamam essa intromissão de um nome muito bonito: assistência. Na verdade é uma forma de manipular as pessoas, através dos dons espirituais fabricados. Com esses dons tanto a vida matrimonial e profissional dos membros vão favorecer a tal obra do Senhor. Sabendo disso, eu mantive o meu contato e o meu namoro com a minha atual esposa no particular. Eu sabia que os meus perseguidores iriam construir visões e profecias a fim de atrapalhar a nossa união. Quando souberam, já era tarde. Não havia mais tempo para entrarem com as profetadas. Proibiram a cerimônia no templo, mas a fizeram mesmo assim. Não me importei em me casar em um salão alugado, o que me interessava era casar. Minha esposa demorou muito para ser despertada. Fiquei congregando com ela até o Espírito Santo libertar a sua mente.

Voltando ao período da minha mudança de Arapa para Marivia (...).

Nós nos casamos em Marivia, porém moramos nos dois primeiros anos do nosso matrimônio em Arapa. Nutrida de um desejo ardente, minha querida esposa me chamou para orarmos a respeito da nossa mudança para Marivia, onde os seus pais, já idosos, moravam. É lógico que eu não vi problemas nisso, breve eles iriam precisar de nossa ajuda, somente nós que tínhamos carro nesta época. Oramos e o Senhor nos respondeu através de uma convocação do concurso que ela tinha feito. Obedecemos ao sinal do Senhor e mudamos. Na primeira conferência que participamos (depois da mudança) o mesmo pastor que me jogou praga me chamou a atenção, corrigindo porque eu não passei pelo "grupo de oração" (é lá que se fabricam os dons de intromissão). Mais uma vez consegui escapar do chicote da seita. Infelizmente, ainda temos parentes presos neste lugar; é muito difícil se libertar desse vício. Mesmo cientes da podridão moral, da corrupção social e da escravidão intelectual que essa seita carrega, essa droga consegue segurar pessoas boas.

Hoje, libertos, temos a alegria de prestar cultos ao Senhor verdadeiro; tenho a liberdade em pregar a palavra como ela verdadeiramente é e minha esposa foi transformada por inteiro, os seus olhos brilham como eu nunca tinha visto antes. Em síntese, essa é a minha experiência com a seita (...). Os outros absurdos contarei em outras oportunidades.

Amém, meu amigo! É uma história terrível e ao mesmo tempo maravilhosa, porque serviu de experiência e talvez possa ajudar aqueles que não tem força para sair desse lanche nada nutritivo (concluí eu).

Se você, caro leitor, pertence a uma dessas duas linhas, comente ou conte para nós a sua experiência.  


 


   









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