SISTEMA RELIGIOSO OU IGREJA ORGÂNICA
Lucas 4:19: "A pregar liberdade aos cativos, e a restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, e a anunciar o ano aceitável do SENHOR."
Numa manhã gélida de domingo, sentei-me em minha cadeira de área para observar os pombos que, religiosamente, alimento com quirera. Todos os dias, antes de minhas atividades rotineiras, eles se reúnem sobre os degraus de concreto que ornam o topo do muro frontal, onde despejo duas mãos fechadas desse cereal. Neste humilde banquete, reúnem-se três principais aves: pombos, rolinhas e pardais.
Do outro lado da rua, meu vizinho mantém, covardemente, um pássaro-preto preso numa pequena gaiola. É um absurdo, mas, pelo que ouço sobre essa prática mórbida, há animais que podem ser legalmente maltratados. Embora a lógica me pareça confusa, é assim que o sistema funciona.
Parece-me que os direitos dos animais também passam pelo crivo da política tributária. Em outras palavras: o respeito — princípio basilar de qualquer sociedade civilizada — agora possui tabelas de preço. Acertou o sábio ao dizer: "nem tudo que é legal é moral". Pois bem, não é difícil perceber que o legislativo não é a minha seara.
Como eu dizia, assentei-me e desfrutei dessa cena maravilhosa. Percebi que, mesmo disputando os grãos, as pombas não desviavam os olhos de seus predadores felinos. Perguntei a mim mesmo: por que o homem, que se julga tão inteligente e racional, é tão insano quando comparado a um simples animal? Vou tentar ser mais claro.
Certa feita, dialogando com um irmão de fé sobre um debate entre dois pastores, ele me perguntou quem eu apontaria como ganhador. Particularmente, não acredito em vencedores de debates bíblicos, no sentido de que não existe o dono da verdade. O motivo é simples: debates servem para que as ideias opostas gerem sínteses mais sólidas, tanto nos oponentes quanto nos espectadores. O debate deveria refinar propostas, e não ser um meio de elevar, ofender ou inferiorizar pessoas.
Não fugi da pergunta e respondi ao irmão que aquele debate não deveria ter acontecido. Tratava-se de um “pastor” do mercado cristão contra um pastor “desigrejado”, ou seja, um servo sem sistema religioso. Espantado, ele me perguntou por que eu não via sentido na discussão. Para respondê-lo, contei-lhe a seguinte anedota:
“Certa vez, um pardal que se alimentava em meu muro decidiu conversar com o pássaro-preto preso na casa em frente.
O pardal, mais astuto, escolheu falar sobre liberdade.
O pássaro-preto, sem saber o que era, perguntou:
— O que é isso?
O pardal respondeu:
— Liberdade é o poder que a natureza nos deu de ir, vir e estar.
— Ah, entendi... é o direito de movimento que a gaiola me permite — replicou o pássaro-preto.”
Com essa anedota, meu nobre irmão, respondi à sua questão: seria justo um debate assim? Teria o pássaro-preto do vizinho vocabulário para dialogar com o pardal que alimento?
Existe o argumento de que se um membro estiver no corpo de Cristo, ele recebe os nutrientes do céu. Verdade, a comunhão com os demais é de grande valia aos congregados. Contudo, essa gaiola não são as quatro paredes de um templo religioso. A gaiola é mental: refiro-me às consciências presas a um esquema hierárquico de poder.
Atualmente, fala-se muito em culto orgânico. Parece-me, porém, que seus simpatizantes não entenderam bem o que de fato é um culto orgânico. Se o conceito de orgânico é nascer, existir e reproduzir despidos de recursos externos, não é bem isso que estou assistindo. O culto orgânico não tem:
- CNPJ. As reuniões são ocasionais, como na igreja primitiva;
- Púlpito, mas mesa;
- Concentração de recursos financeiros. Cada crente direciona seus dízimos e ofertas às necessidades reais de seus assistidos;
- Pastor oficial. Todos pastoreiam uns aos outros;
- Pregador oficial. A leitura, explanação e aplicação é um direito de todos, para a edificação e não adestramento;
- Cantor, grupo de louvor ou musicista de destaque.
Quando esse culto ocorrerá? Não nesta geração!
A cristandade na qual estamos inseridos está acostumada com o teatro, a hipocrisia, o estrelismo, a soberba, a boa aparência de seus templos, o desfile de suas vestimentas e a transmissão de responsabilidade. Sim, quando se paga ou envaidece um indivíduo (pastor) para que ele trabalhe no seu lugar, isso é transmissão de responsabilidade. Todo crente que de fato nasceu de novo pastoreia, ora, aconselha e carrega, literalmente, as cargas do outro.
Teria o pássaro-preto do vizinho vocabulário para dialogar com o pardal que alimento?
Me responda você!
Diante desse quadro, concluo minhas considerações afirmando que devemos nos policiar a todo momento. Não é porque estamos fora de uma instituição religiosa que estamos fora da gaiola. Repito: ela é mental. Podemos confeccionar nossas próprias gaiolas e nos aprisionar em nossos sistemas.
Foi para isso que o nosso Senhor veio; Ele não libertou o seu povo do poder de Roma, mas quem creu Nele nunca mais foi propriedade do império. Não seja propriedade de mercenários, de guias, de gurus ou dos poderes institucionais desse mundo. Comece a desmontar a gaiola!
Por Daniel Santos
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